Você é financeiramente saudável?

Um novo conceito de independência financeira diz que ela só existe quando se trabalha por prazer ou lazer, não por necessidade. Faça o teste para saber se suas finanças andam bem e confira como alcançar tal independência

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Domingues, no lançamento do audiolivro. Segundo ele, independência financeira é quando se trabalha por prazer, ou lazer

"independencia financeira é quando se trabalha por prazer, e não por necessidade de seu ganho. Para isso, é preciso ter um montante aplicado cujos juros paguem de duas a três vezes o seu padrão de vida mensal. Não é dinheiro de bilionário, não é ser rico. É dizer que você pode se sustentar de ganhos que não dependam do seu trabalho." Esse conceito de "independência financeira" é de autoria de Reonaldo domingos, consultor financeiro. Se esse tipo de indepedência só se consegue quando o sujeito não precisa mais trabalhar para se sustentar, então a sociedade está andando pelo caminho errado. O que ela precisa é poupar, e não usar e abusar dos creditos desponhiveis. "As pessoas precisam ter uma reserva, a reserva da independência financeira. Por isso elas nunca param de trabalhar. E hoje vivem até os 100 anos!", afirma Domingos.

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Ele é autor do livro Terapia Financeira, que ganhou a versão em audiolivro no começo de outubro. Na publicação, o consultor sugere que o ouvinte siga a Metodologia de educação Financeira, "que leva qualquer pessoa à sua independência financeira". DiSOP significa Diagnóstico, Sonho, Orçamento e Poupança, os quatro pilares para o endividado se tornar um feliz InvestidorPrimeiro, é preciso relacionar todas as despesas do dia, durante três meses, no máximo. Diante do relatório de gastos, avaliar quanto se gasta em supérfluos, bobagens e evitáveis. Essa é a tarefa mais difícil, uma vez que as pessoas temem saber ou encarar seus gastos reais. A pessoa tem medo de sua verdadeira situação financeira, de descobrir como ela chegou a tamanho grau de endividamento. "Ela diz: 'já estou devendo mesmo, nem quero ver'. Permanece em desequilíbrio financeiro e não quer encarar o problema", diz Domingos.

Depois do primeiro choque, a próxima tarefa se torna prazerosa: relacionar todos os seus sonhos de consumo. Um carro? Uma viagem? Uma casa? Uma roupa de festa? Qualquer que seja o sonho, ele custa dinheiro e a sua compra deve ser muito bem planejada. Depois, é preciso colocar tudo na ponta do lápis e montar o orçamento mensal. Manter o equilíbrio entre quanto se ganha e quanto se gasta é importante, mas mais importante ainda é saber poupar – para os sonhos. Adequar seu padrão de vida ao que se ganha é fundamental. "Você não pode aumentar seu padrão de vida porque ganhou um pequeno aumento", afirma o consultor.


Além da quantia destinada ao sonho, também é preciso separar um tanto para o investimento que vai proporcionar a tal independência financeira. O que sobrar vai para gastos fixos e, quem sabe, até os supérfluos. Parece fácil, mas exige muita disciplina. "Se você fizer o dignóstico por um período de 30 a 90 dias por ano, já está bom. Mas todo ano tem que atualizar, porque o padrão de vida tende a subir", afirma.O primeiro item que deve constar do orçamento é a parcela para a realização do sonho. "Eu sou sempre a favor de se pagar à vista, porque você ganha mais descontos", diz Domingos. Se a pessoa guarda uma quantidade "x" durante "y" meses, conseguirá "comprar o sonho" à vista e com desconto. Mas as pessoas são ansiosas e sofrem pressão do marketing e do crédito facil, que acabam por facilitar a compra impensada, o consumo imediato, que costuma quebrar o equilíbrio das finanças. Com isso, compra-se um bem que não estava planejado e com dinheiro que nem existe.

Domingos preparou um teste que indica qual é a sua condição financeira atual: endividado, equilibrado financeiramente ou investidor. Se o resultado for uma das duas primeiras opções, melhor começar a pensar mais seriamente sobre o DiSOP. Deu certo para Domingos, que nasceu em família humilde no interior de São Paulo e conquistou sua independência finaceira aos 37 anos – a melhor propaganda para o seu método.


Nossa Senhora segundo os gays

Está circulando na Espanha um calendário com imagens de Nossa Senhora, todas elas interpretadas sob a ótica transexual. Faz parte de um projeto da Associação Espanhola dos Direitos dos Gays, que pede ao governo que organize as comemorações dos feriados religiosos com eventos culturais e políticos.Sugere, por exemplo, que 25 de dezembro (Natal) seja declarado oficialmente o dia da democracia.

A mulher do futuro será mais baixa

Estudo da Universidade de Yale projeta as mulheres no futuro. Segundo os cientistas, elas serão mais baixas e mais pesadas, terão coração bem saudável e período reprodutivo mais extenso ao longo da vida. Tais mudanças mostram que o processo evolutivo ainda atua sobre os seres humanos. O biólogo evolucionista Stephen Stearns analisou o histórico médico de 14 mil habitantes da cidade de Framingham (Massachusetts). Cruzou esses dados (a partir de 1948) com os de 2,2 mil mulheres. Verificou alterações de peso, altura e pressão arterial devido a fatores sociais e culturais. Concluiu que, se a tendência se mantiver, a mulher em 2409 será dois centímetros mais baixa e um quilo mais pesada em relação aos dias atuais.

O fator humano

Moram na Amazônia 25 milhões de pessoas,
a grande maioria em áreas urbanas. É dessa
gente que depende o futuro da maior floresta
tropical do planeta. Veja quem são e como
vivem os atuais desbravadores do norte do Brasil

Nos anos 70, durante o auge dos grandes projetos de infraestrutura implantados pelos governos militares, a Amazônia era conhecida como o inferno verde. Uma mata fechada e insalubre, empestea-da de mosquitos e animais peçonhentos, que deveria ser derrubada a todo custo – sempre com incentivo público – pelos colonos, operários e garimpeiros que se aventuravam pela região. Essa visão mudou bastante nas últimas duas décadas, à medida que os brasileiros perceberam que a região é um patrimônio nacional que não pode ser dilacerado sem comprometer o futuro do próprio país. Com seus 5 milhões de quilômetros quadrados, a Amazônia representa mais da metade do território brasileiro, 3,6% da superfície seca do planeta, área equivalente a nove vezes o território da França. O Rio Amazonas, o maior do mundo em extensão e volume, despeja no mar em um único dia a mesma quantidade de água que o Tâmisa, que atravessa Londres, demora um ano para lançar. O vapor de água que a Amazônia produz por meio da evaporação responde por 60% das chuvas que caem nas regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

Mesmo agora, com o reconhecimento de sua grandeza, a Floresta Amazônica permanece um domínio da natureza no qual o homem não é bem-vindo. No entanto, vivem lá 25 milhões de brasileiros, pessoas que enfrentaram o desafio do ambiente hostil e fincaram raízes na porção norte do Brasil. Assusta observar que, no intenso debate que se trava sobre a melhor forma de preservar (ou, na maior parte das vezes, ocupar) a floresta, esteja praticamente ausente o maior protagonista da saga amazônica: o homem. É uma forma atravessada de ver a situação, pois o destino da região depende muito mais de seus habitantes do que de papelórios produzidos em Brasília ou da boa vontade de ONGs. A prioridade de todas as iniciativas deveria ser melhorar a qualidade de vida e criar condições econômicas para que seus habitantes tenham alternativas à exploração predatória. Só assim eles vão preservar a floresta em vez de destruí-la, porque terão orgulho de sua riqueza natural única no mundo.

A exuberância da natureza contrasta com a qualidade de vida dos amazônidas. A imagem idílica do caboclo que vive no paraíso tropical e nele quer permanecer só tem correspondência com o mundo real na imaginação de quem vive longe dali. Mesmo aquele que mora em pontos distantes, só acessíveis por barcos, assiste às novelas em televisores com antenas parabólicas e energia elétrica proveniente de geradores a óleo diesel. É natural que queira viver com os confortos modernos presentes no Sudeste, e não como uma relíquia viva do século passado. O ribeirinho, assim como o índio em sua aldeia, prefere cozinhar em fogão a gás, nem que para isso precise pagar por esse conforto com bens retirados da floresta. Em áreas rurais, a ausência de comércio e de dinheiro faz do escambo uma forma corriqueira de abastecimento da população. Um gerador, para manter a TV ligada por duas horas, consome 1 litro de diesel, que no mercado local pode ser trocado por um "bicho de casco" – em geral o tracajá, tartaruga que pode alcançar 8 quilos e é um petisco tradicional. Como explicar a essas pessoas que caçar animais que há gerações são parte da dieta local é agora um crime ambiental?

Depois do período colonial, a primeira grande onda migratória para a Amazônia ocorreu na virada do século XIX para o XX. Hordas de flagelados por três secas sucessivas no Nordeste foram enviadas para extrair o látex. Estima-se que entre 300 000 e 500 000 tenham se instalado na floresta. O fim do ciclo da borracha não apenas deixou os seringueiros abandonados, mas também arruinou a elite bem-educada, europeizada, de Manaus e Belém. Durante a II Guerra, para aproveitar uma curta crise no fornecimento de borracha, mais 150 000 pessoas foram despachadas para o Acre, Amazonas e Pará. A terceira e mais importante onda migratória foi incentivada pelos militares nos anos 70. A Zona Franca de Manaus, o avanço da agricultura e da pecuária e os assentamentos do Incra são agora os atrativos para a transferência de tantos brasileiros para a região.

Esses migrantes, somados aos indígenas e moradores antigos, mesclaram-se para formar um "Homo amazonius", o brasileiro adaptado à região. O país não o entende muito bem. As políticas para a Amazônia geralmente focam a população rural, o chamado povo da floresta. Esse modo de pensar podia fazer sentido no início dos anos 70, quando apenas 3,5% dos habitantes da região viviam em áreas urbanas. Nas últimas três décadas, o perfil demográfico se transformou em ritmo acelerado. Hoje, 73% da população vive nas cidades – e seus problemas são similares aos dos habitantes de qualquer cidade do Sul ou do Sudeste, só que agravados pela falta de serviços básicos de infraestrutura.

As soluções que propõem manter o homem no mato, sem possibilidade de progresso pessoal, mostram resultados pífios. O exemplo mais flagrante é o das reservas extrativistas de subsistência, uma receita criada pelo líder seringueiro Chico Mendes nos anos 80. Há hoje 86 dessas reservas, habitadas por 300 000 pessoas. Visto que colher látex e castanhas se mostrou insuficiente para garantir uma vida digna, ocorre por lá uma volta a atividades mais lucrativas: derrubar as árvores, vender a madeira, abrir campos de pasto para o gado. Estima-se que algumas dessas reservas extrativistas já tenham perdido 20% da cobertura vegetal e abriguem 40 000 reses. O bom exemplo de sucesso está na outra ponta – aquela que prospera de costas para a floresta. A Zona Franca de Manaus, criada em 1967, concentra 550 indústrias modernas, que, no ano passado, alcançaram um faturamento de 60 bilhões de reais. Uma riqueza produzida sem que seja necessário derrubar uma única árvore. A instalação da Zona Franca de Manaus é apontada como uma das principais causas de o estado do Amazonas ser o menos desmatado da Amazônia. Seu exemplo poderia ser replicado na região com a criação de outras indústrias limpas, como as ligadas aos setores farmacêutico e de biotecnologia.

Qualquer projeto que pressuponha o desenvolvimento com sustentabilidade da Amazônia precisa incluir o desmonte de uma parcela considerável das termelétricas alimentadas a óleo diesel que fornecem a maior parte da energia para a região. Embora a Amazônia seja classificada como o pulmão do mundo, suas termelétricas despejam anualmente na atmosfera 6 milhões de toneladas de dió-xido de carbono (CO2), o principal gás do efeito estufa. Isso equivale ao dobro do que despeja no ar todo ano a frota de veículos da cidade de São Paulo. Numa região com tantos rios caudalosos, é preciso que as hidrelétricas respondam pela maior parte da energia. A principal vítima da hegemonia das termelétricas na Amazônia é, mais uma vez, a população. Há escolas que são obrigadas as transferir os alunos do turno da noite para o da manhã porque não há óleo diesel suficiente para mover o gerador e iluminar as salas de aula.

Vivem na Amazônia 400 000 índios de quase 200 etnias e em diferentes níveis de contato com a sociedade brasileira. As setenta tribos que permanecem isoladas em pontos remotos representam menos de 1% desse universo. Setenta e cinco por cento dos indígenas vivem na floresta. Mesmo assim, os índios também não querem saber de permanecer na pré-história. "Os que continuam na aldeia querem trazer a cidade para dentro dela", diz Almir, cacique da etnia suruí, de Rondônia. Os computadores e a internet estão presentes em muitas aldeias. Em toda a Amazônia, índios usam a rede mundial para vender artesanato, estudar e reivindicar direitos. "Para ter influência política, a internet é melhor que o arco e flecha", diz Almir, que no ano passado fechou um acordo com o Google para mapear as terras de sua tribo. Vinte e cinco por cento dos índios da Amazônia vivem nas cidades e muitos vão parar nas favelas e palafitas. A população indígena de Manaus já é mais numerosa do que a da maioria das reservas, com mais de 12 000 índios.

Um dos principais entraves ao desenvolvimento da Amazônia é que parte significativa dela é um território sem lei. Apenas 4% das terras da Amazônia têm títulos de propriedade. Numa imensidão que corresponde a 59% do território brasileiro, ninguém sabe quem é o dono da terra e quem a ocupa. "Não há exemplo no mundo de região que tenha se desenvolvido economicamente sem segurança jurídica", diz o filósofo Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "Em um ambiente de insegurança, as pessoas deixam de fazer investimentos a longo prazo para buscar apenas o benefício imediato", ele completa. Sem eliminar a anarquia legal e jurídica, fica difícil garantir a preservação da floresta ou preparar o terreno para melhorar a qualidade de vida do povo da Amazônia.


Como o divórcio mais polêmico dos EUA afeta você




Você sabe quem são os Gosselin? Eles são o casal do momento nos Estados Unidos. Ou melhor, o ex-casal. Pais de oito filhos – duas gêmeas de 9 anos e sêxtuplos de 5 anos – eles estrelam desde 2007 o reality show “Jon & Kate Plus 8” (Jon e Kate mais 8), exibido no Brasil pelo canal fechado Discovery Home & Health. Mas nunca fizeram tanto sucesso quanto nesta última temporada. Em junho, eles anunciaram em um episódio especial de 1 hora que estavam se divorciando. E olha que esse foi o capítulo mais decente de todo o processo de separação.

Dos rumores à confirmação, os Gosselin estampam semana após semana capas de revista americanas (até agora foram mais de 50) com cada lance do fim de seu casamento. Kate diz que foi Jon quem quis terminar. Ele diz que foi ela. O público especula quem traiu primeiro. Teria Jon se entregado à vida boêmia depois que se levantou a hipótese de Kate o ter traído com o segurança do casal, Steve Neild? Ou Kate teria passado a desprezá-lo porque Jon se cansou da rotina maluca de uma família com oito crianças? Quem acompanha o programa nota a tensão entre o casal desde os primeiros episódios. Nos depoimentos conjuntos de Kate e Jon, que servem como linha narrativa de cada capítulo, Kate quer falar mais do que o marido. Manda ele ficar quieto. Dá tapinhas. Jon tenta se defender. Mas é visível que, ao passar de cada temporada (já estamos na quinta), Kate se sente cada vez mais à vontade em frente das câmeras. E Jon, mais desconfortável com a situação.

Os últimos desdobramentos do caso incluem Kate chorando em programas de entrevista (ainda com a aliança no dedo. “Pelos filhos”, ela diz), acusações de quem ficou com o dinheiro (Kate acusa Jon de ter limpado a conta conjunta do casal) e o anúncio de que Jon estaria sendo processado pela rede de televisão que produz o programa, a TLC (ele se recusa a aparecer nas próximas temporadas). Por hora, o programa deve passar a se chamar “Kate Plus Eight” e promete altas audiências na próxima temporada, que começa em 9 de novembro. O porquê é difícil de entender: existe situação mais chata do que ver briga de casal? Por que é, então, que o assunto desperta tamanho frenesi nas pessoas, a ponto de se tornar o assunto mais comentado nos Estados Unidos, que passa pela pior crise econômica das últimas décadas? E esse não é o primeiro divórcio que mobiliza a opinião pública (Confira a galeria dos divórcios mais polêmicos dos últimos tempos logo abaixo).

Eu,não deveria estar pensando nesse assunto. Mas fiquei tão intrigado com a importância que as pessoas dão ao divórcio dos outros que resolvi perguntar ao terapeuta de casais Amaury Mendes Junior qual é a explicação para esse fenômeno. “É mais fácil olhar para os outros do que para nós”, ele me disse. “Quando projetamos situações e defeitos nas outras pessoas, é como se quiséssemos dizer para nós mesmos que aquilo é normal, que também acontece com os outros.” Em resumo, nos importamos com o divórcio dos outros porque não queremos que isso aconteça conosco. É claro que passar pelo desgaste de uma separação não é nada agradável. Ninguém quer ver desaparecer um plano de vida traçado a dois com tanto carinho.

O pavor em relação ao divórcio revela um paradoxo. O discurso politicamente correto aceita o divórcio como algo natural, defende que é melhor acabar com o casamento para que ambos possam ser felizes. Mas a pressão da sociedade ainda diz que o certo é permanecer junto “até que a morte os separe”. “Essa pressão está em todo lugar. É só reparar”, diz Amaury. “O porteiro do prédio trata com mais respeito a mulher com uma aliança no dedo.” O resultado dessa pressão é que as pessoas estão mais preocupadas em cumprir o papel que elas acreditam designado a elas – casar, ter filhos e envelhecer – do que criar vínculos verdadeiros com alguém. Igualzinho no tempo da minha avó. Só que no século XXI. “Daí as pessoas casam e depois se separam”, diz Amaury.

Se as pessoas pensassem no divórcio como uma possibilidade natural e não um tabu, talvez se lembrassem de que para manter um casamento é necessário cuidado e dedicação (a afetividade do dia a dia, a sexualidade afiada debaixo dos lençóis e os objetivos comuns a longo prazo). E, com uma relação bem-cuidada, talvez as chances de passar pelo desgaste da separação diminuam. É por isso que eu já decidi: vou me casar pensando no divórcio (e que o padre e a minha mãe não leiam isso!).


Tudo pela Amy ou tudo tem limite?

Há algum tempo me pergunto: o que faz com que pessoas sãs montem acampamento na porta dos locais onde seus ídolos se apresentarão dali a vários dias, semanas e até meses? Poder ficar mais pertinho deles e ver que eles são tão reais quanto você e eu? Ter mais chances de segurar em sua mão, ganhar uma piscadela, uma camiseta suada ou uma baqueta carcomida? Isso tudo realmente vale a pena em troca de atravessar noites chuvosas dentro de uma barraca ou comer a marmita fria que o busão amassou?

Os fãs do Evanescence acreditam que sim, vale MUITO a pena. Desde sábado passado, dia 17 - repito: desde o dia 17 - cerca de 30 jovens acampam ansiosamente em um dos portões da Chacára do Jockey, na Av. Pirajussara, zona oeste de São Paulo, segundo assessoria do festival Maquinaria. É lá que vai acontecer o próximo show da banda gótica liderada por Amy Lee, marcado para acontecer no dia 8 de novembro. Sim, ainda faltam duas semanas.

Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de constatar o fato, especificamente atuado por fãs do grupo de Little Rock, Arkansas, nos Estados Unidos. Em show ocorrido no dia 21 de abril de 2007, aproximadamente o mesmo número de garotos e garotas vindos de grande parte do Brasil e da periferia de São Paulo tinham se mudado temporariamente para o Parque Antarctica, onde Evanescence se apresentaria dali 12 dias. Desta vez bateram o próprio recorde (serão 17 dias de espera).

E eu continuo me perguntando: é a falta do que fazer ou é muito amor para sacrificar?

Ela é a Amy


Polícia corrupta,omissa e desumana

A ação criminosa de cabo e capitão choca o País, o Estado reage com firmeza e abre guerra à banda podre da PM do Rio


Contra-ataque Comando da PM agiu de forma rápida e exemplar

O País todo assistiu estarrecido aos vídeos de quatro câmeras de segurança de estabelecimentos comerciais de uma rua do Rio de Janeiro nos quais se veem dois bandidos assaltando e matando um homem e, ato contínuo, dois PMs roubando os ladrões - que, ao final, seguem calmamente e em liberdade.

A vítima é o coordenador do AfroReggae, Evandro João Silva, 42 anos, e a tragédia aconteceu na madrugada do domingo 18, na rua do Carmo, no centro. Se isso não fosse suficiente para atingir em cheio a alma de qualquer cidadão, duas novas informações, dadas posteriormente, completariam o trabalho.

A primeira: Silva talvez pudesse ter sido salvo, já que ainda se movimentava quando a viatura policial passou e não prestou socorro. A segunda: um dos policiais é capitão e sua função era justamente fiscalizar os PMs que trabalhavam naquela região naquela madrugada. A reação do governo e do comando da PM foi firme e imediata. Os policiais envolvidos são o capitão Dennys Leonard Nogueira Bizarro e o cabo Marcos de Oliveira Salles, e ambos já estão presos administrativamente.

Os assassinos continuavam foragidos até o fechamento desta edição, na sexta-feira 23. O cadáver de Silva foi sepultado no cemitério do Caju. Agora, são só lágrimas: a família dele chora, os integrantes do AfroReggae choram, e até outros bandidos em presídios manifestaram tristeza e comoção. Silva desenvolvia o projeto Rebelião Cultural para os carcerários em Bangu II, III e IV.

A sociedade, de modo geral, também está de luto e se indigna. A reação do governador Sérgio Cabral não foi diferente de qualquer outro cidadão. "Vagabundos! Safados!" foram alguns dos termos usados por ele para extravasar sua revolta. Partiu do governador a decisão de demitir o relações-públicas da Polícia Militar do Rio, o major Oderlei Santos, que classificou o episódio de mero "desvio de conduta". Cabral disse que "ele se comportou como um advogado de defesa de policiais" e reagiu com veemência: "Isso eu não admito.

Há registros contundentes de um mau comportamento de um capitão e policiais militares, mas temos a grande maioria combatendo o crime, dando as suas vidas." Sobre os PMs criminosos, o governador disse o que todos esperavam ouvir: "Têm que ser banidos da corporação e responder criminalmente pelo que fizeram."

PAPEL TROCADO Cabo Marcos Salles é detido após imagens irem ao ar

O horror gerado pelo fato registrado nas câmeras, segundo a psiquiatra Vera Lemgruber, provoca apatia, sensação de desânimo, inutilidade, desamparo, incapacidade de reação - os sentimentos são individuais, mas o fenômeno é coletivo.

"Essas sensações podem levar à depressão e se alastrar para outras áreas da vida, como a profissional e a pessoal", diz ela. A longo prazo, o efeito catastrófico se pulveriza na "certeza" de que "nada adianta" e de que ninguém presta.

Ação e habilidade para lidar com o caso é o que pede o coordenador-executivo do grupo AfroReggae, José Júnior. À ISTOÉ, ele disse que tudo o que vimos até agora pode ser apenas a ponta do iceberg. "Um capitão não iria se sujar por uma jaqueta e um par de tênis. Quando os policiais achacaram os bandidos, só um criminoso é liberado.

Cadê o outro? Isso deu a entender que os PMs soltaram um deles para arrumar dinheiro. Seria uma espécie de pagamento de resgate", raciocina ele. O chefe do Ministério Público do Rio, procurador-geral de Justiça Cláudio Lopes, pede pena de latrocínio para todos os envolvidos, tanto os policiais militares quanto os bandidos. "Merecem uma condenação por latrocínio, como dispõe o Código Penal." O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Luiz Zveiter, fala sobre a possibilidade de uma parceria imoral entre os policiais e os bandidos.


AIG paga US$ 12,1 bi de bônus e prêmios

NOVA YORK, EUA (AFP) - A seguradora americana AIG, que escapou da falência graças a uma ajuda estatal de 170 milhões de dólares, pagou US$ 12,1 milhões a um grupo de diretores, segundo um documento enviado à autoridade de mercados financeiros.

No texto, a empresa afirma que seu comitê de remunerações autorizou na sexta-feira a liberação de pagamentos contratuais que haviam sido suspensidos voluntariamente pela AIG.

O governo dos Estados Unidos deve impor fortes cortes no pagamento dos diretores das sete empresas que receberam mais ajuda estatal desde setembro de 2008.

Estas empresas terão que reduzir em 50% na média a remuneração total paga aos 25 executivos de melhores salários, segundo o plano aprovado por Kenneth Feinberg, nomeado pelo presidente Barack Obama para controlar os salários nestas companhias.


PT e PMDB firmam acordo para 2010

Em nota, partidos confirmaram nesta quarta-feira (21) o acerto firmado na noite de terça para formar chapa em 2010. Michel Temer (PMDB-SP) pode ser o vice de Dilma Rousseff
Roosewelt Pinheiro/ABr
NA DISPUTA O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), é um dos cotados para ser candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff
O PT e o PMDB divulgaram nesta quarta-feira (21) uma nota oficial a respeito do acordo de cúpula que prevê uma aliança para a disputa da eleição presidencial de 2010. Como afirmaram representantes das legendas na noite de terça-feira (20), após jantar no Palácio da Alvorada, em Brasília, o PMDB deve ter o candidato a vice-presidente na chapa encabeçada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

No documento, PT e PMDB se comprometem a “construir aliança programática e eleitoral para o pleito presidencial”; compor, “necessariamente, a chapa de Presidente e Vice”; compartilhar a “coordenação de campanha e a elaboração do programa de governo”; e levar o “pré-compromisso às suas instâncias partidárias, construindo soluções conjuntas para as alianças regionais”.

O acordo entre os dois partidos é um firme passo na direção de uma eleição plebiscitária, desejo manifestado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nos planos de Lula, a base de seu governo teria apenas um candidato – Dilma – que enfrentaria o candidato da oposição, encabeçada pelo PSDB, seja ele o governador de São Paulo, José Serra, ou o de Minas Gerais, Aécio Neves.

O provável lançamento da senadora Marina Silva pelo PV e, principalmente, a possível candidatura do deputado federal Ciro Gomes (CE) pelo PSB dificultaram a hipótese da eleição plesbiscitária. Ao firmar o acordo com o PMDB, além de evitar que o partido tome o rumo da candidatura do PSDB – como já fez a ala liderada pelo ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, que anunciou apoio a Serra – o PT tenta isolar o PSB de Ciro Gomes.

Se conseguir o apoio de outras legendas, como PP, PRB e principalmente PDT e PC do B, que formam o chamado “bloquinho” com o PSB, o PT pode inviabilizar a candidatura de Ciro Gomes, tanto pela falta de apoio político como pela falta de tempo no horário eleitoral. Se isso ocorrer, Lula pretende que Ciro, que trocou seu domicílio eleitoral para São Paulo, concorra à sucessão de Serra para enfraquecer o PSDB no Estado em que é muito forte.

A aposta de Ciro Gomes para evitar este cenário é que a união entre o PMDB e o PT fracasse. “Espero que o PMDB entregue o que está prometendo. Historicamente, desde sempre isso não acontece”, afirmou Ciro Gomes ainda na terça-feira (20). “E espero que os argumentos dessa aliança sejam confessáveis”, disse. Nas últimas eleições presidenciais, o PMDB liberou seus filiados para apoiar qualquer um dos candidatos, tendo em vista o grande número de lideranças regionais influentes que o partido possui.

O PSDB também conta com as dissidências internas do PMDB para minar o apoio à Dilma Rousseff, como Aécio Neves deixou claro em entrevista à Agência Estado. “Acredito que vão prevalecer as alianças regionais. O PMDB é nosso aliado em muitos Estados”, afirmou.

Foi em 9 de outubro do ano passado

Agenda da ex-secretária da Receita Federal registra o dia em que ela se
reuniu com Dilma para tratar de uma investigação contra a família Sarney


Fotos Wilson Pedrosa/AE e Joedson Alves/Folha Imagem
HISTÓRIAS DIFERENTES
Lina Vieira anotou em sua agenda pessoal a data e o assunto da reunião no Palácio do Planalto, que a ministra Dilma Rousseff (à dir.) nega ter existido


Em agosto passado, primeiro numa entrevista e depois em depoimento no Congresso, a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira acusou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de tê-la convocado para uma reunião no Palácio do Planalto. Na conversa, a ministra teria pedido que Lina interferisse no andamento de uma investigação tributária que incomodava a família do presidente do Senado, José Sarney. Se comprovado, o encontro criaria sérios constrangimentos legais à ministra, pré-candidata do PT à Presidência da República. Dilma, porém, sempre negou com veemência a existência da reunião. A ex-secretária, por sua vez, nunca apresentou provas convincentes, além do próprio testemunho, de que a conversa realmente existira. O dia? Lina não se lembrava. O mês? Lina dizia que fora próximo ao fim de 2008, talvez em dezembro. Quando questionada sobre a imprecisão, justificava afirmando que todos os detalhes estavam registrados em sua agenda pessoal. E a agenda? Perdida em meio a uma infinidade de documentos empilhados quando de sua mudança de Brasília para Natal, onde mora. Dois meses após deixar todas essas perguntas no ar, a agenda que pode ajudar a aclarar o caso finalmente apareceu - e, segundo Lina, mostra o dia, a hora e o assunto tratado no encontro com a ministra-chefe da Casa Civil.

A ex-secretária da Receita fez uma anotação a mão em 9 de outubro de 2008, logo em seguida à reunião com Dilma. Ela escreveu: "Dar retorno à ministra sobre família Sarney". De acordo com um amigo de Lina, a quem ela confidenciou ter achado a agenda, bem como detalhes ainda não revelados sobre o encontro, a reunião ocorreu pela manhã, próximo ao horário do almoço, fora da relação de compromissos oficiais da ministra. Convocada às pressas para a reunião, a ex-secretária conta que chegou a desmarcar o bilhete de um voo entre Brasília e São Paulo, emitido para o início da tarde de 9 de outubro, por causa da convocação inesperada. A passagem foi reemitida para as 19h30, quando Lina embarcou com destino a São Paulo. A ex-secretária também está de posse de outro documento que, acredita, pode esclarecer quem está falando a verdade. Trata-se de um CD-ROM com todas as mensagens eletrônicas trocadas entre ela e seus assessores durante os onze meses em que comandou a Receita Federal. Procurada por VEJA em Natal, Lina disse que a polêmica com Dilma produziu grandes transtornos a ela e sua família e que, por isso, não gostaria mais de se manifestar sobre o caso. "Agora eu só falo sobre esse assunto ao Ministério Público, caso seja convocada", afirmou.

Fotos Celso Junior/AE e Dida Sampaio/AE
COMPANHEIROS
Franklin Martins e o senador José Sarney: o ministro diz que é mentira a versão de que o governo tentou ajudar a família do senador na Receita


A descoberta da agenda de Lina acontece em um momento especial para a ministra Dilma Rousseff, que, com a saúde recuperada, volta a empinar sua candidatura à Presidência. Apesar de ainda patinar nas pesquisas, a ministra tem conseguido apoios importantes, resultado de sua dupla jornada como ministra e candidata à sucessão de Lula. Nos últimos dez dias, sempre fora de seu expediente como ministra, Dilma, a candidata, abraçou Jader Barbalho no Pará, discursou numa conferência do PCdoB na Bahia, seduziu PDT e PR em jantares individuais em Brasília e fez as últimas costuras em torno do anúncio, previsto para esta semana, no qual o PMDB vai declarar a intenção de apoiar sua candidatura à sucessão do presidente Lula. A candidata ainda arrumou tempo para ser homenageada em um culto evangélico em São Paulo e, quatro dias depois, tomar um banho de "axé" numa igreja da Bahia. A agenda de Dilma, a candidata, está cada vez mais parecida com a agenda de Dilma, a ministra. Na semana passada, ao acompanhar o presidente Lula em uma visita de três dias a Pernambuco, a ministra dormiu em um barracão, fez discursos exaltados e chegou a participar de "inauguração" até de auditório de canteiro de obra. A obra, a transposição do Rio São Francisco, teve apenas 15% de sua totalidade executada até agora. Ainda que a ministra não seja oficialmente candidata, a estrutura de sua campanha impressiona. Dilma já tem marqueteiro (João Santana, o mesmo de Lula), dois coordenadores de campanha (o ex-ministro Antonio Palocci e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel) e um guru para a internet com fama internacional (Ben Self, uma das estrelas da campanha que ajudou a eleger Barack Obama presidente dos Estados Unidos em 2008). O estrategista informal é Fran-klin Martins, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação.

O registro feito pela ex-secretária em sua agenda pessoal não é, obviamente, prova irrefutável de que a reunião realmente ocorreu e, consequentemente, de que Dilma não disse a verdade. Mas sua existência é um avanço considerável, sobretudo quando analisado em conjunto com informações já conhecidas. Na ocasião da denúncia, Lina chegou a ser desafiada por Franklin Martins, que a chamou de mentirosa. Em agosto passado, o senador Romero Jucá, um dos principais defensores do governo no Congresso, divulgou um relatório com as entradas oficiais de Lina no Palácio do Planalto. De acordo com Jucá, a ex-secretária esteve no Planalto quatro vezes - em outubro de 2008 e nos meses de janeiro, fevereiro e maio de 2009. O único ingresso registrado no ano passado, portanto, ocorreu em 9 de outubro, às 10h13. Lina, segundo os registros oficiais, deixou o Planalto às 11h29 do mesmo dia. Na época, interessava ao governo divulgar a informação porque, embora afirmasse não lembrar com exatidão a data do encontro, Lina dizia que a reunião teria ocorrido no fim do ano, provavelmente em dezembro. A falta de registro de um ingresso de Lina naquele mês, portanto, seria um indício de que a ex-secretária mentia ao confirmar o encontro com a ministra. Agora, com o surgimento da agenda, e da anotação de que o encontro com Dilma ocorreu no mesmo dia 9 de outubro, a tentativa de desmentir a ex-secretária pode acabar confirmando sua versão.


DJ de mentirinha?

O modelo Jesus Luz, que ganhou fama internacional desde que começou a circular com a pop star Madonna, ia bem com a sua nova profissão de DJ - atualmente, ele excursiona pelo País e cobra cachê de R$ 18 mil por meia hora.

Acontece que, na semana passada, o DJ alemão Roman Boeer escreveu no Twitter que Jesus é uma farsa que finge tocar. "Ele usa um CD pronto e age como se estivesse mixando", escreveu ele, que se referiu ao brasileiro como "o brinquedinho sexual de Madonna". Por meio de sua assessoria, Jesus não rebateu as críticas e convidou o público a conferir sua performance.


Tela mostra rainha Vitória jovem e bonita

O quadro pintado pelo artista alemão e uma foto da rainha Victoria em 1887 (Foto: Reprodução / AP)

Está em exposição no Palácio de Buckingham, em Londres, um retrato nunca antes mostrado da rainha Vitória (1819-1901). O quadro pintado em 1843 mostra a rainha - mais conhecida pelas imagens de quando já era mais velha - aos 24 anos, com longos cabelos castanhos e um rosto bem mais bonito.

A obra é de autoria do artista alemão Franz Xaver Winterhalter e foi escolhida pelo marido de Vitória, Albert, como seu quadro favorito. A tela é apenas uma dos 400 desenhos, fotografias e esculturas que estão expostos no Palácio de Buckingham. Também exibido na mostra, um dos jornais daquele tempo relata a alegria de Vitória ao aceitar o pedido de casamento feito por Albert. "Ele é perfeito em todos os sentidos", comemorava a rainha.

A mostra, intitulada Vitória e Albert: Arte e Amor, traz imagens da rainha desde sua ascensão ao trono, em 1837, até a morte de seu marido, em 1861. O curador da exposição, Jonathan Marsden, disse que o grande desafio é mudar a imagem melancólica da rainha. "A exposição vai revelar uma rainha Vitória com energia, apaixonada, jovem e que adorava a companhia de músicos e bailarinos", disse ele.


Um dia muito especial

A revista VEJA reuniu 500 personalidades
da política, da economia e da cultura
para pensar o Brasil. O debate deu origem às 40 propostas desta reportagem




Idéias contam. Ao longo de 40 anos, que se completam nesta quinta-feira, dia 11 de setembro, VEJA foi movida por essa convicção. Na terça-feira passada, a mesma crença nas idéias norteou a realização do seminário "O Brasil que Queremos Ser", que se dividiu em seis painéis: Educação, Meio Ambiente, Economia, Imprensa, Democracia, Raça e Pobreza e Megacidades. Os debates deram origem às 40 propostas que se encontram neta reportagem. Elas não pretendem ser uma receita final de país, mas o começo de uma discussão racional, suprapartidária e realista a respeito dos entraves que ainda impedem o Brasil de atingir seu potencial pleno de progresso.

Foi um dia especial. No palco, dezenove especialistas debateram. Além disso, quatro influentes lideranças políticas nacionais – o deputado Ciro Gomes, os governadores Aécio Neves e José Serra e a ministra Dilma Rousseff – apresentaram sua visão do que significa governar para as próximas gerações. O vice-presidente da República, José Alencar, discursou. Na platéia, cerca de 500 convidados acompanharam os debates. Entre eles, Garibaldi Alves, presidente do Senado, cinco ministros de estado, cinco governadores, líderes das maiores empresas brasileiras, publicitários e acadêmicos.

As propostas descritas nesta reportagem resumem as melhores sugestões produzidas no seminário e adiantadas nos discursos do dia. VEJA não considera encerrado o trabalho a que se propôs com o seminário "O Brasil que Queremos Ser", cujos melhores momentos podem ser vistos no site www.veja40anos.com.br. Também no site a discussão se manterá acesa e você, leitor, está convidado a continuar participando. Nos próximos meses, VEJA levará os painéis com os temas e as conclusões do seminário para debates em diversas universidades brasileiras. A revista vai conferir periodicamente, por meio de reportagens e entrevistas, o grau de aceitação de cada uma das 40 propostas, submetendo-as a um teste de realidade, avaliando sua viabilidade e progresso – e, quem sabe, dando como efetivamente implantadas algumas delas. Se isso ocorrer, o dia do seminário "O Brasil que Queremos Ser" terá sido, além de especial, histórico.

Pela meritocracia
O ministro Fernando Haddad, a secretária Maria Helena Guimarães e o economista Alexandre Scheinkman


Vitrines de oportunidades

Participar de feiras internacionais é o primeiro
passo para empresas que querem conquistar
o mercado externo



AFP
Feira Internacional de Tecnologia da Informação, em Hannover, na Alemanha: porta de entrada para o mercado europeu


NESTA REPORTAGEM
Quadro: Promover é preciso!

A conquista de novos mercados passa pela promoção dos produtos brasileiros no exterior – uma providência que apenas recentemente começou a ser adotada de forma agressiva e planejada pelas companhias nacionais. Uma das formas mais eficazes para obter resultados nesse campo é a participação em feiras e exposições internacionais. No ano passado, 8 500 empresas brasileiras participaram de 411 eventos no exterior, nos quais fecharam contratos no valor total de 3 bilhões de dólares. Em 2004, o número de empresas deverá chegar a 13 500 e o de eventos, a 500. A estimativa é que o valor das transações seja quatro vezes maior. "Feiras de negócios são uma ferramenta fundamental para o marketing das corporações que se orientam para o mercado externo", diz Juan Manuel Quirós, presidente da Agência de Promoção de Exportações (Apex). "Para as pequenas e médias empresas, a vantagem está na possibilidade de contatos e referências comerciais dificilmente encontrada em outras situações."

Há eventos específicos para praticamente todos os segmentos, como mostra o quadro publicado no final desta reportagem. Apenas na Alemanha são realizadas anualmente 150 feiras de alcance mundial, nas quais é possível não apenas divulgar produtos e serviços como também fechar bons negócios. Uma das mais tradicionais é a Feira Industrial de Hannover, visitada anualmente por 200 000 pessoas de dezenas de países. Das oitenta empresas brasileiras que participaram da edição deste ano, 37 firmaram contratos, com um volume total de 40 milhões de dólares – sem considerar as negociações de longo prazo.

A cidade alemã sedia também a CeBIT, a maior feira de tecnologia de informação, telecomunicações e software do mundo. Na edição realizada em março deste ano, as companhias brasileiras assinaram protocolos para negócios futuros no valor total de 6 milhões de dólares. A Itautec, que expôs seus produtos em um estande de 120 metros quadrados, vendeu caixas eletrônicos a clientes da África do Sul, Egito, Emirados Árabes e Índia. Nos últimos três anos, graças aos contatos feitos na feira, a gaúcha Perto Periféricos, que também é especializada em automação bancária, faturou 9 milhões de dólares com a exportação de equipamentos para 22 países, entre os quais Estados Unidos, Alemanha, Portugal e Espanha. "Esses eventos funcionam como porta de entrada para empresas estrangeiras que querem ganhar o mercado europeu", diz o empresário Constantino Bäumle, que representa feiras de Hannover no Brasil.

Fotos divulgação/Apex-Brasil
Festival de frutas brasileiras em loja do Carrefour na capital polonesa, Varsóvia, e estilistas de São Paulo com modelos na semana da moda brasileira em Moscou: novos mercados

Empresas de vários segmentos também têm conseguido conquistar novos mercados por meio de parcerias com a Apex, um dos braços do Ministério de Desenvolvimento e Comércio Exterior. O Brazilian Fruit Festival, elaborado em conjunto com o Instituto Brasileiro de Frutas, incentiva os fruticultores a participar de feiras internacionais, a investir em marketing e, sobretudo, a cuidar da qualidade dos produtos, para alcançar os padrões dos mercados mais exigentes – incluindo o cumprimento a normas fitossanitárias. Um dos primeiros resultados concretos é a parceria recém-firmada com a rede francesa de hipermercados Carrefour, que se comprometeu a ofertar frutas brasileiras em 9 000 lojas localizadas em dezoito países da Europa, Oriente Médio, Ásia e Américas. "Vamos aproveitar nossa condição de rede mundial para dar oportunidade aos bons produtores brasileiros de mostrar lá fora o sabor especial das frutas e sucos produzidos por aqui", afirma Arnaldo Eijsink, diretor de agronegócios do Carrefour.

Durante a penúltima semana de setembro, várias entidades que representam empresas dos setores de jóias, vestuário, calçados e cosméticos participaram de uma extensa programação em Moscou, toda voltada para a promoção de produtos brasileiros junto aos empresários russos. O ponto alto foi um desfile de moda com peças criadas pelos estilistas Amir Slama, Alexandre Herchcovitch e Walter Rodrigues. A intenção do governo brasileiro é aumentar a participação das empresas nacionais no bilionário mercado russo. O mercado local de têxteis, que movimenta 20 bilhões de dólares por ano, é um dos mais promissores. Apesar de ser o maior produtor mundial do setor, o Brasil se posiciona no 46º lugar entre os países que exportam roupas pré-fabricadas para a Rússia.

Devido ao sucesso da participação de empresas brasileiras em eventos internacionais, o governo federal decidiu abrir centros de distribuição de produtos brasileiros em pontos estratégicos do mundo. Começará por Miami, nos Estados Unidos, e Frankfurt, na Alemanha, no ano que vem. Em 2006, serão implantadas unidades em Dubai (Emirados Árabes), Johanesburgo (África do Sul), Varsóvia (Polônia) e Xangai (China). Cada centro terá custo mensal entre 15 000 e 35 000 dólares e abrigará trinta empresas, as quais terão no local um showroom e toda a logística necessária para escoar seus produtos nas respectivas regiões. "Nos primeiros dezoito meses, a Apex e o Banco do Brasil bancarão parte dos custos. Depois, as despesas ficarão por conta das empresas", informa o presidente da Apex, Juan Quirós.

O evento internacional mais expressivo realizado no Brasil é a Agrishow, a maior feira de tecnologia agrícola da América Latina, realizada há onze anos em Ribeirão Preto, no interior paulista. Em 2004, o evento – principal termômetro do profissionalismo alcançado pelos agricultores e pecuaristas brasileiros – contou com 604 expositores, 10% dos quais estrangeiros. Foram realizadas também edições da feira em Rondonópolis (Mato Grosso), Rio Verde (Goiás) e Luis Eduardo Magalhães (Bahia). Os bancos que montaram agências nas quatro versões da Agrishow receberam propostas de financiamento no valor total de 3 bilhões de reais – valor equivalente ao orçamento anual de Belo Horizonte.

A Agrishow apresenta a milhares de visitantes o que há de mais moderno em tecnologia agropecuária em uso no mundo. Além de ficar expostas nos estandes, as modernas máquinas são submetidas a demonstrações de campo, lado a lado com marcas concorrentes e simulando todas as fases da lavoura, do preparo do solo à colheita. "A precisão hoje é um ponto importante na agricultura, e este é um momento único para comparar os diversos modelos e as mais avançadas tecnologias disponíveis no mundo", diz o presidente do Sistema Agrishow, Sérgio Magalhães.


Quem foi Jesus?

Foi um dia de trabalho como outro qualquer. Depois da festa da Páscoa do ano 3790 do calendário hebraico, a maioria dos camponeses seguia sua rotina normalmente, assim como os coletores de impostos, os pescadores, os soldados romanos, os carpinteiros, os sacerdotes e as prostitutas. Em Jerusalém, contudo, algumas pessoas deviam estar comentando o tumulto do dia anterior, que resultou na morte de um judeu. Nada que não estivessem acostumados a ouvir. Naquele tempo, a cidade já era palco de conflitos político-religiosos sangrentos e quase sempre algum agitador morria por incitar a rebelião contra os romanos, que governavam a região com o apoio da elite judaica do templo de Jerusalém.

Dessa vez, o fuzuê foi causado por um judeu camponês chamado Yeshua, que foi aprisionado e condenado à morte por ter desafiado o poder romano e o templo de Jerusalém em plena Páscoa. "Se você quisesse chamar a atenção de multidões para as suas idéias, essa era a data ideal", afirma Richard Horsley, professor de Ciências da Religião na Universidade de Massachusetts e autor do livro Bandidos, Profetas e Messias – Movimentos Populares no Tempo de Jesus. "A festa tinha um forte conteúdo político, já que comemorava a libertação dos hebreus do Egito, que agora estavam sob o domínio dos romanos." No meio da multidão (imagine a cidade paulista de Aparecida do Norte em dia de peregrinação), pouca gente deve ter se comovido com a prisão e morte de mais um judeu agitador – a não ser um punhado de parentes e amigos pobres.

Mas nem eles poderiam imaginar que a cruz em que Jesus pagou sua sentença (sim, Yeshua é Jesus em hebraico) seria, no futuro, o símbolo mais venerado do mundo. Da suntuosa Basílica de São Pedro, no Vaticano, à pequena igrejinha da Assembléia de Deus, encravada no interior da Floresta Amazônica, a cruz se tornou o símbolo de fé para mais de 2 bilhões de pessoas. Sua morte dividiu, literalmente, a história em antes e depois dele. Mas, afinal, quem foi Jesus?

Pode parecer estranho, mas para os estudiosos há pelo menos dois Jesus. O primeiro, que dispensa apresentações, é o Cristo (o ungido, em grego), cuja história contada pelos quatro evangelistas deixa claro que ele é o enviado de Deus para salvar os homens com a sua morte. Os judeus costumavam sacrificar animais como cordeiros no templo para se purificarem. Ao morrer na cruz, Cristo torna-se o símbolo do cordeiro enviado por Deus para tirar o pecado do mundo.

O outro Jesus, já citado no início da matéria, é Yeshua, o homem que morreu sem chamar muita atenção dos cidadãos do Império Romano. Além dos evangelhos – que não podem ser considerados fontes imparciais de sua vida, já que foram escritos por seus seguidores – há apenas uma menção direta a ele citada pelo historiador judeu Flávio Josefo, que escreve sobre sua morte no livro Antiguidades Judaicas, feito provavelmente no fim do século 1. Para os pesquisadores, essa falta de citações seria um indício da pouca repercussão que Jesus teria tido para os cronistas da época. "Se existisse um grande jornal em Israel no tempo de Jesus, sua morte provavelmente seria noticiada no caderno de polícia, e não na primeira página", diz John Dominic Crossan, professor de Estudos Religiosos da Universidade De Paulo, em Chicago, Estados Unidos.

Autor dos livros O Jesus Histórico – A Vida de um Camponês Judeu no Mediterrâneo e Excavating Jesus – Beneath The Stones, Behind The Texts ("Escavando Jesus – Por Baixo das Pedras, Por Trás dos Textos", inédito no Brasil), ele diz que a escassez de fontes diretas sobre Jesus não significa que seja impossível recompor a vida do homem de carne e osso que morreu em Jerusalém. "A interpretação correta dos textos históricos e a arqueologia estão trazendo surpreendentes revelações sobre o Jesus histórico."

Uma dessas revelações pode estar contida numa pequena caixa de pedra cor de areia encontrada em Jerusalém com uma inscrição feita em língua e caligrafia de 2 mil anos atrás. Ao lê-la em aramaico, da direita para esquerda, como a maioria das línguas semitas, está escrito inicialmente "Yaákov, bar Yosef", ou seja: Tiago, filho de José. E continua, mais desgastada, "akhui di..." irmão de "Yeshua", Jesus. Isso mesmo. Segundo André Lemaire, especialista em inscrições do período bíblico da Universidade de Sorbonne, em Paris, há uma alta probabilidade de que a caixa tenha sido usada como ossário de Tiago (São Tiago, para os católicos), o mesmo do Novo Testamento, já que a possibilidade que a associação entre esses três nomes seja uma referência a outras pessoas é estatisticamente baixa.

Apesar de não ter sido encontrada num sítio arqueológico (como foi comprada por um colecionador num antiquário, as chances de fraude seriam maiores), ela poderá se tornar a primeira evidência material associada a Jesus. "Caso fique provado que a inscrição é verdadeira, a descoberta levantará uma série de novas questões", diz Crossan. "Vamos ter que nos perguntar, por exemplo, se termos como irmão e pai significam exatamente o mesmo que hoje: pai e irmão de sangue.

Apesar de o Evangelho de São Mateus, no capítulo 13, versículos 55-56, citar: "Porventura não é este o filho do carpinteiro? Não se chamava sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas: e suas irmãs não vivem elas todas entre nós?", a Igreja sempre pregou aos fiéis que irmão e irmã, nesse caso, significavam apenas primos ou um forte vínculo de amizade e companheirismo entre os que faziam parte de um grupo.

"Como esse é um campo cheio de fé e paixões, a busca do Jesus histórico sempre foi um desafio", diz André Chevitarese, professor de História Antiga da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos maiores especialistas sobre o tema no país. "Enquanto um religioso conservador ressalta a dimensão espiritual de Jesus, um teólogo da libertação vai buscar nele sua atuação como revolucionário político."

Mesmo que a diversidade de visões de Jesus seja proporcional ao número de igrejas, correntes e seitas que existem em seu nome, historiadores e arqueólogos estão conseguindo reconstituir como era o mundo em que ele vivia: um retrato fascinante da política, da religião, da economia, da arquitetura e dos hábitos cotidianos que devem ter moldado a vida de um homem bem diferente daquele retratado pelas imagens renascentistas que povoam a imaginação da maioria dos cristãos. A começar pela aparência. Baseados no estudo de crânios de judeus que viviam na região na época, os pesquisadores dizem que a fisionomia de Jesus deveria ser mais próxima da de um árabe moderno, como na imagem que abre essa reportagem. "Em tempos turbulentos como o de hoje, ele provavelmente teria dificuldades de passar pela alfândega de um aeroporto europeu ou americano", diz Chevitarese.

Um Presépio Diferente

Imagine que nesse Natal você pudesse entrar numa máquina do tempo para visitar Jesus recém-nascido (quem conhece o argumento da série Operação Cavalo de Tróia, do escritor J. J. Benítez, sabe que a idéia não é original). Se isso fosse possível, os arqueólogos garantem que você teria algumas surpresas. A primeira delas teria relação com a data da viagem. Ao programar a engenhoca para o ano zero, provavelmente você iria se deparar com um menino de quatro anos. É que Jesus deve ter nascido no ano 4 a.C. – o calendário romano-cristão teria um erro de cerca de quatro anos. Tampouco adiantaria chegar em Belém no dia 25 de dezembro. Em primeiro lugar, porque ninguém sabe o dia e a data em que Jesus nasceu. O mês de dezembro foi fixado pela Igreja no ano 525 porque era a mesma época das festas pagãs de Roma.

E o segundo problema, ainda mais grave, é que provavelmente Jesus não nasceu em Belém. "Há quase um consenso entre os historiadores de que Jesus nasceu em Nazaré", diz o padre Jaldemir Vitório, do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte. Então por que o evangelho de Mateus diz que o nascimento foi em Belém? Vitório explica que o texto segue o gênero literário conhecido por midrash. Basicamente, o midrash é um forma de contar a história da vida de alguém usando como pano de fundo a biografia de outras personalidades históricas. No caso de Jesus, ele explica, a referência a Belém é feita para associá-lo ao rei Davi do Antigo Testamento – que, segundo a tradição, teria nascido lá. Mas as associações não parariam por aí.

Assim como o nascimento em Belém, a terrível execução de recém-nascidos ordenada por Herodes e a fuga de Maria e José para o Egito também teriam sido uma "licença poética do texto", dessa vez para simbolizar que Jesus é o novo Moisés – já que essa narrativa é bem semelhante ao que se contava da vida do patriarca bíblico. "Isso não foi uma criação maquiavélica para glorificar Jesus, era apenas o estilo literário da época", diz Vitório. Até os simpáticos três reis magos estariam ali para representar que Jesus foi reconhecido como messias por povos do Oriente – e quase nenhum historiador defende que, de fato, eles tenham existido. (Apesar dos muitos fiéis que visitam todos os anos a Catedral de Colônia, na Alemanha, que acreditam que os restos mortais dos três estão lá.)

Mas se essas passagens são representações e não fatos históricos, o que um viajante no tempo encontraria de semelhante às imagens estampadas nos cartões de Natal? "Jesus deve ter nascido numa casa de camponeses extremamente pobres, cercada de animais", diz Gabriele Cornelli, professor de Teologia e Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo. "Cresceu numa das regiões mais pobres e turbulentas da época."

Um Judeu pobre da Galiléia

Um vilarejo de trabalhadores rurais numa encosta de serra com, no máximo, 400 habitantes. Segundo os arqueólogos, essa é a cidade de Nazaré no tempo em que Jesus nasceu. De tão pequena, a vila praticamente não é citada nos documentos da época. "As escavações arqueológicas na cidade não encontraram nenhuma sinagoga, fortificação, basílica, banho público, ruas pavimentadas, enfim, nenhuma construção importante que datasse do tempo de Jesus", diz o historiador John Dominic Crossan. "Em compensação, foram encontradas pequenas prensas de azeitonas para a fabricação de azeite, prensas de uvas para vinho, cisternas de água, porões para armazenar grãos e outros indícios de uma vida agrária de subsistência."

A casa em que Jesus cresceu devia ser como a de todo camponês pobre da época: chão de terra batida, teto de estrados de madeiras cobertos com palha e muros de pedras empilhadas com barro, lama ou até uma mistura de esterco e palha para fazer o isolamento. Ao entrar na casa, talvez alguém lhe oferecesse água tirada de uma cisterna servida num dos muitos vasilhames de pedra e barro achados pelos arqueólogos na região – a água era preciosa, já que a chuva era escassa. Para comer, a cesta básica era formada por pão, azeitona, azeite e vinho e um pouco de lentilhas refogadas com alguns outros vegetais sazonais, servido às vezes no pão (que você deve conhecer como pão árabe). Com sorte, nozes, frutas, queijo e iogurte eram complementos bem-vindos, além de um peixe salgado vez ou outra. Segundo os arqueólogos, a carne era rara, reservada apenas para celebrações especiais.

A maioria dos esqueletos encontrados na região mostra deficiência de ferro e proteínas e sinais de artrite grave. "A mortalidade infantil era alta e a expectativa de vida girava em torno dos 30 anos", diz Crossan. "Só raros privilegiados alcançavam 50 ou 60 anos de idade."

Para garantir o sustento, as famílias precisavam ter um número razoável de filhos que ajudassem no duro trabalho no campo. "É pouco provável que Jesus tenha sido filho único", diz o historiador Gabriele Cornelli. "Assim como um menino de roça que vive em comunidades pobres no interior, ele deve ter crescido cercado de irmãos." Mesmo pesquisadores católicos como o padre John P. Meier, autor dos quatro volumes da série Um Judeu Marginal, sobre o Jesus histórico, dizem que é praticamente insustentável o argumento de que, no Novo Testamento, "irmão" poderia significar "primo". "A palavra grega adelphos, usada para designar irmão, deve ter sido usada no sentido literal", diz Meier. Sua conclusão reforça ainda mais as chances de que o ossário atribuído a São Tiago, irmão de Jesus, possa ser verdadeiro.

E quanto à profissão de Jesus? O historiador Gabriele Cornelli diz que, baseado nas parábolas atribuídas a ele, é muito provável que Jesus tenha sido um camponês. "Sua pregação está repleta de imagens detalhadas da vida agrícola", diz Cornelli. "É quase impossível que esse grau de detalhamento possa ter surgido de alguém que não lidava dia a dia no campo." Mas José não era carpinteiro e seu filho não o teria seguido na profissão?

O professor de Ciências da Religião Pedro Lima Vasconcellos, da PUC de São Paulo, diz que a palavra carpinteiro (tekton) usada no Novo Testamento pode significar também "biscateiro", no sentido de uma classe inferior que faz serviços manuais. "É o que chamamos atualmente do trabalhador pau-pra-toda-obra." Uma das hipóteses levantadas pelos arqueólogos é de que Jesus pode ter trabalhado no campo e, eventualmente, atuado em algumas obras de construção civil. Os arqueólogos descobriram que, a apenas 6 quilômetros de Nazaré, uma série de novos edifícios em estilo greco-romano estava sendo construída na cidade de Séforis. "É possível que Jesus tenha trabalhado lá", diz Vasconcellos. A construção era apenas uma das várias obras que estavam sendo erguidas por Herodes Antipas, governante da Galiléia no tempo de Jesus.

Além das intervenções em Séforis, os edifícios construídos nas cidades de Tiberíades e Cesaréia Marítima (nome dado em homenagem ao imperador Júlio César) tornavam a região cada vez mais parecida com as cidades romanas. "O problema é que todas essas obras representavam um fardo a mais aos camponeses pobres, que já pagavam muitos impostos", diz o historiador Richard Horsley. "Não é à toa que surgiram nesse período vários movimentos populares de contestação ao poder romano, do qual Jesus era mais um representante."

Messias de um novo Reino

Se o rei Herodes Antipas precisasse se candidatar para se manter no poder na Galiléia no tempo de Jesus, seus assessores de marketing o venderiam como o "realizador de grandes obras" e seu slogan provavelmente seria "Herodes faz". No seu governo (4 a.C. a 39 d.C.), enormes palácios foram construídos na Galiléia, muitos deles para abrigar a elite judaica que dominava a imensa massa de judeus pobres na região. O esquema de poder na Galiléia, assim como em outras regiões de Israel, funcionava num sistema de clientela: para reinar, Herodes contava com o apoio dos romanos. Estes, por sua vez, exigiam em troca que ele recolhesse impostos para Roma e se responsabilizasse pela repressão de qualquer movimento de contestação ao poder imperial. Sob essas condições, Roma permitia que os judeus cultuassem o seu Deus único, Javé, em vez de celebrarem as várias divindades do panteão romano.

Estando bom para ambas as partes, o equilíbrio de poder era mantido. "O problema é que apenas os romanos e uma elite sacerdotal judaica eram beneficiados", diz o professor André Chevitarese. "A maioria dos judeus tinha que trabalhar cada vez mais para sustentar essas duas classes."

Ninguém sabe ao certo até que ponto Jesus começou a sua pregação motivado por esse sentimento de injustiça social. Até mesmo porque a tentativa de retratá-lo como um revolucionário político (e não um líder espiritual) parece fazer pouco sentido considerando-se a época em que ele viveu. "Essa distinção de uma consciência política separada da espiritualidade é uma invenção dos pensadores ocidentais modernos, como Maquiavel", diz Chevitarese. "Para os movimentos apocalípticos de então, o modelo de sociedade perfeita é o Reino de Deus, algo que para essas pessoas estava prestes a se concretizar."

Os estudiosos dizem que há uma dificuldade natural de quem vive nas sociedades modernas de entender a verdadeira dimensão da palavra apocalipse na época de Jesus. "Algumas pessoas hoje entendem o apocalipse como um futuro distante, o fim dos tempos que chegará somente quando todos estiverem mortos", diz Paulo Nogueira, professor de Literatura do Cristianismo Primitivo da Universidade Metodista de São Paulo. "Na época de Jesus, os movimentos apocalípticos viam esse futuro como algo para daqui a alguns dias, quando o Reino dos Céus fosse se sobrepor ao Reino da Terra." Enfim, era preciso se preparar logo.

Para os judeus pobres, estava claro que o tal reino terrestre prestes a ruir era aquele formado por Roma, pelos governantes locais e pela elite judaica representada pelo suntuoso Templo de Jerusalém. E o que as pessoas deveriam fazer para se preparar para o advento do novo reino? Um bom começo era ouvir as profecias de um dos mais conhecidos pregadores da época: João Batista. "Naquele tempo, a figura de João Batista era mais importante do que a de Jesus, que somente se tornou uma ameaça a Roma depois da crucificação", diz o historiador John Dominic Crossan. Depois de ouvir suas profecias, as pessoas podiam se preparar para a chegada da nova era submetendo-se a um ritual de imersão na água: o famoso batismo de João Batista.

"Ao entrar e sair da água, as pessoas sentiam-se como se estivessem deixando para trás os pecados e renascendo purificadas para o novo reino de Deus", diz Nogueira. (Não é à toa que algumas igrejas até hoje só batizam o fiel quando ele já é adulto – e tem consciência da força do ato como marca da conversão.)

A maioria dos historiadores acredita que João Batista, de fato, deve ter batizado Jesus adulto. "Afinal, não deve ter sido fácil para os evangelistas explicar por que o messias foi batizado, já que, como enviado de Deus, ele é que devia batizar os outros", diz o historiador André Chevitarese. Mas ele explica que o evangelho logo "resolve" a polêmica ao narrar que, na hora do batismo, a pomba do Espírito Santo aparece sobre Jesus e João Batista diz que ele é que deveria ser batizado.

"As fontes que estão nos ajudando a compreender esses movimentos apocalípticos são os manuscritos do mar Morto", diz Paulo Nogueira. Descobertos em 1947, os manuscritos foram encontrados no convento de Qumran, uma espécie de condomínio de cavernas habitado pelos essênios, grupos de judeus que viviam como monges seguindo uma rígida disciplina de orações e uma dieta rigorosa (leia a reportagem "A doutrina do deserto", na Super de agosto de 2000). "Apesar de os manuscritos não revelarem nada diretamente sobre Jesus, eles mostram como os cultos apocalípticos já estavam disseminados nessa época", diz Nogueira. Há até quem defenda a hipótese de que Jesus tenha tido uma ligação direta com os essênios (veja boxe na pág. 47).

Do que os crentes e céticos parecem não ter dúvida é que o batismo de João Batista foi um divisor de águas na vida de Jesus. A partir dali, ele teria se retirado para o deserto para depois dar início à trajetória de sermões e milagres que o levaria à condenação na cruz.

Milagres subversivos

Se os historiadores e arqueólogos estão conseguindo reconstituir o ambiente físico em que Jesus viveu e até têm bons palpites sobre a veracidade de certas passagens da sua vida, tudo muda da água para o vinho quando o assunto são os milagres. Afinal, como um pesquisador pode estudar objetivamente feitos considerados sobrenaturais?

Uma moda no passado (que até hoje tem muitos adeptos nos Estados Unidos) foi a tentativa de explicar a origem de alguns desses fenômenos como tendo causas naturais. Você provavelmente conhece algumas dessas teses: a estrela de Davi no nascimento de Jesus era na verdade o cometa Halley, Lázaro foi ressuscitado por Cristo porque estava em coma, não havia morrido biologicamente...

"Explicações desse tipo conseguem às vezes ser mais absurdas do que o próprio milagre", diz André Chevitarese. Para ele, em vez de querer esclarecer racionalmente esses fenômenos, o historiador deve manter a mente aberta para entender como as comunidades da época encaravam esses feitos, estudando, por exemplo, qual a noção que se tinha então da doença e da cura.

Os pesquisadores sabem que no tempo de Jesus a doença estava associada à impureza. "A grande preocupação da lei judaica, já prevista em textos como o Levítico, era demarcar o que é puro e o que não é puro", diz o professor Manuel Fernando Queiroz dos Santos Júnior, da Faculdade de Saúde Pública da USP. "E as doenças de pele, as mais visíveis, logo eram associadas à impureza espiritual." Especialista em hanseníase, o professor diz que o que a Bíblia chama de lepra servia para nomear, na verdade, todas as doenças de pele na época, de eczemas a micoses. "Traduzir a palavra sara’at na Bíblia para o termo lepra ou hanseníase é errado", diz o professor. "Quem lê a Bíblia sem atentar para esse detalhe tem a impressão errônea de que existia uma verdadeira epidemia da doença na época de Jesus." O pior é que, graças a esse erro, os leprosos foram segregados por centenas de anos como portadores de uma doença impura.

Segundo os historiadores, essa associação perversa entre doença e impureza (ou pecado) terminava favorecendo a elite judaica do Templo de Jerusalém. "Afinal, para se curar, o doente tinha que pagar mais taxas e oferecer mais sacrifícios no templo", diz Crossan. "Isso gerava para o doente um ciclo interminável de sofrimento e dívidas." O templo era comandado por uma casta sacerdotal que detinha o monopólio de conduzir os fiéis aos rituais de purificação – que, na época, incluíam o sacrifício de animais como cordeiros (quem não tinha posses para tanto, podia sacrificar uma pomba branca comprada no mercado do templo).

Imagine agora o mal-estar que os sacerdotes deviam sentir ao ouvir relatos de que, com um simples toque, um judeu pobre da Galiléia andava curando doentes, declarando, com esse gesto, que a pessoa estava livre dos pecados. "Hoje é difícil de entender como um ato desses era radicalmente subversivo", diz Richard Horsley. Ele diz que Jesus não estava só. "Uma série de outros curandeiros também usavam esse ritual para desafiar o poder do templo naquela época", diz o historiador.

Como Jesus conseguia curar as pessoas? Poucos pesquisadores se arriscam a dar palpites. O certo é que, ao se misturar com doentes, mendigos, gentis, prostitutas, enfim, toda classe de pessoas consideradas impuras, Jesus conseguiu incomodar a maioria dos grupos judaicos da época. Entre esses incomodados, se incluíam os fariseus, membros de uma escola religiosa que insistia na completa separação entre os judeus e os gentios (fariseu quer dizer "o que está separado"). Eram provavelmente hostis a Jesus e não deviam entender por que ele comia na mesma mesa dos "impuros" – se você leu os evangelhos, deve ter notado como os primeiros cristãos retratam os fariseus de forma pouco lisonjeira. Jesus provavelmente também não agradou saduceus, pequeno grupo judeu que não acreditava na imortalidade da alma nem nos anjos, muito menos nos milagres de Jesus.

"Seu estilo de ensinar e de viver desagradou muitos judeus, que o colocaram à margem do judaísmo palestino", diz o padre e historiador John P. Meier, no seu livro Um Judeu Marginal. "Mesmo sendo um galileu rústico que nunca freqüentou uma escola de escribas, ele ousou desafiar as doutrinas da época", diz Meier.

A escolaridade é outro ponto polêmico sobre a vida de Jesus – já que, para muitos historiadores, ele provavelmente era analfabeto. "Somente uma ínfima parcela da população que trabalhava para os governantes sabia ler e escrever", diz Richard Horsley. "Não acredito que ele fizesse parte dessa parcela." Então, como explicar o trecho do evangelho que o retrata lendo numa sinagoga? "A palavra ler no evangelho pode significar recitar", diz Horsley. "O fato de Jesus não saber ler nem escrever não significa que ele não conhecesse os textos e as tradições judaicas." Juan Arias, correspondente do jornal El País no Brasil e autor do livro Jesus, Esse Grande Desconhecido, discorda. "Apesar de ter vindo de uma família muito pobre, é difícil imaginar que as discussões polêmicas que ele teve com seus contemporâneos relatadas nos evangelhos possam ter sido feitas por um homem que não sabia ler", diz Arias.

Mesmo que não tenha sido analfabeto, o judeu pobre da Galiléia não deve ter chamado a atenção da elite intelectual da época. A não ser, talvez, pelos tumultos que deve ter causado quando resolveu pregar diretamente em Jerusalém, chegando a derrubar barracas dos mercadores que comerciavam no templo. O resto da história você conhece: para os romanos, apenas mais um agitador crucificado, nada anormal em meio a centenas de outras crucificações. Para um punhado de seguidores, o símbolo de uma nova fé que mudaria o rumo da humanidade.

De Jesus a Cristo

Imagine Nova York como o centro espiritual do mundo muçulmano. Ou mesmo a Basílica de São Pedro, no Vaticano, transformada numa mesquita dedicada ao profeta Maomé. Improvável, não? "Foi algo dessas proporções que aconteceu com a expansão do cristianismo", diz André Chevitarese. "Em cerca de três séculos, a crença de uns poucos seguidores se tornou a religião oficial do Império Romano, o mesmo império que havia ordenado a sua morte."

Como isso ocorreu?

Para os cristãos, a resposta é simples: Jesus ressuscitou. Essa seria a evidência de que o homem crucificado não era, afinal, apenas um homem e sim Cristo, o messias esperado pelo povo judeu. Mas como entender o evento da ressurreição? "Nenhum outro tipo de milagre se choca mais com a mentalidade cética da moderna cultura ocidental", diz o padre John P. Meier. Para ele, ficar especulando sobre o que aconteceu com o corpo de Jesus é, do ponto de vista da história, uma tarefa inútil. "A essência da crença na ressurreição é que, ao morrer, Jesus ascendeu em sua humanidade à presença de Deus", diz Meier. "Descobrir qual a ligação dessa humanidade com o seu corpo físico não é matéria dos historiadores."

Mas se a ressurreição é uma questão de fé e não de história, os estudiosos estão pelo menos conseguindo esclarecer detalhes sobre o terrível momento que a teria antecedido: a crucificação. Tudo começou em 1968, quando foi descoberto na região de Giv’at há-Mivtar, no nordeste de Jerusalém, o único esqueleto de um crucificado conhecido pela ciência. Depois que os ossos foram analisados pelos pesquisadores do Departamento de Antiguidades de Israel e da Escola de Medicina Hadassah, da Universidade Hebraica de Jerusalém, conclui-se que os braços não foram pregados, mas amarrados na travessa da cruz. Já as pernas do condenado foram colocadas em ambos os lados da base vertical de madeira, com pregos segurando o calcanhar em cada lado. Não havia evidências de que suas pernas haviam sido quebradas depois da crucificação para apressar a sua morte.

"O curioso é que uma revelação surpreendente sobre a morte na cruz não surgiu da descoberta de esqueletos, mas da falta deles", diz Pedro Lima Vasconcellos, da PUC de São Paulo. "Afinal, se centenas e até milhares de pessoas foram crucificadas na época, por que apenas um esqueleto foi encontrado?"

O historiador John Dominic Crossan diz que há uma razão terrível para isso: "As três penas romanas supremas eram morrer na cruz, no fogo e entregue às feras", diz Crossan. "O que as tornava supremas não era a sua crueldade desumana ou sua desonra pública, mas o fato de que não podia restar nada para ser enterrado no final." Apesar de ser fácil de entender por que não sobraria nada de um cadáver consumido pelo fogo ou devorado por leões, ele diz que a maioria das pessoas esquece que, no caso da crucificação, o corpo era exposto aos abutres e aos cães comedores de carniça. Como um ato de terrorismo de Estado, a extinção do cadáver também tinha como vantagem para as autoridades evitar que o túmulo do condenado se tornasse local de culto e resistência.

Mesmo que ninguém saiba o que ocorreu após a morte de Jesus (alguns historiadores acham razoável que a família e os amigos pudessem ter reivindicado o seu corpo), o fato é que seus seguidores passaram a relatar suas aparições. "Não se deve subestimar o poder dessas experiências em nome do racionalismo", diz Paulo Nogueira, professor da Universidade Metodista de São Paulo. "Afinal, as pessoas tinham visões, entravam em transe. É uma simplificação, por exemplo, ficar tentando encontrar razões sociológicas para explicar a experiência mística responsável pela conversão de Paulo."

Nascido na cidade de Tarso, na atual Turquia, Paulo (São Paulo, para os católicos) talvez seja o homem que, sozinho, fez mais pela expansão do cristianismo que qualquer outro dos seguidores de Jesus. O curioso é que, antes de se converter, ele era uma espécie de agente policial encarregado de perseguir os cristãos. "Sua conversão foi tão surpreendente na época como seria hoje ver um embaixador israelense se converter à causa palestina", diz Monica Selvatici, doutoranda em História da Unicamp e especialista em Paulo. "Suas idéias terminaram afastando o cristianismo do judaísmo da época."

Ela explica que, depois da morte de Jesus, não havia uma distinção clara entre judeus e cristãos. "Os seguidores de Jesus eram apenas judeus que defendiam a tese de que ele era o messias, ao contrário daqueles que não o reconheciam como tal", diz Mônica. "Eram uma ala do judaísmo, assim como o PT tem alas que não representam as idéias predominantes do partido." Como falava grego muito bem e foi um dos cristãos que mais viajaram, ele discordava dos judeus-cristãos que defendiam a tese de que os gentios convertidos precisavam seguir rigorosamente a lei judaica, incluindo aí a necessidade da circuncisão – não vista com bons olhos pelos estrangeiros. Em suas cartas (epístolas), são famosas as polêmicas travadas com Tiago (São Tiago, para os católicos), suposto irmão de Jesus, que teria sido um defensor de um cristianismo mais fiel ao judaísmo. Mas a idéia central de Paulo, resumida na frase de que "o verdadeiro cristão se justifica pela fé e não pelos trabalhos da lei", prevaleceu.

Os gentios podiam agora se converter sem tantos empecilhos e o cristianismo ganhou novas fronteiras. "Paulo ajudou a tirar de Jesus a imagem de um messias para o povo hebreu, transformando-o num salvador de todos os povos", diz Mônica. "Jesus deixou de ser um fenômeno regional para ganhar um caráter universal."

A influência de Paulo é tão grande, que há historiadores que chegam a dizer que o cristianismo como o conhecemos é, na verdade, um "paulismo". "Isso é um exagero", diz Paula Fredriksen, professora de estudos religiosos da Universidade de Boston e autora do livro From Jesus To Christ ("De Jesus a Cristo", inédito no Brasil). "Com ou sem Paulo, já havia um movimento forte entre os judeus cristãos de que os gentios não precisavam seguir estritamente as leis para serem salvos", diz Paula.

Mas o que levaria um cidadão romano a trocar os seus deuses para cultuar um judeu da Galiléia? (Lembrando que, na época da morte de Jesus, um cidadão romano sabia tão pouco sobre as várias correntes do judaísmo como um ocidental hoje sabe sobre as linhas do Islã.) "O cristianismo trouxe uma idéia de salvação da alma que não existia na religião romana", diz Pedro Paulo Funari, professor de história e arqueologia da Unicamp. "A religião romana tinha um aspecto formal, público, pouco ligado às inquietações da vida depois da morte". Mas Funari explica que, apesar do formalismo das crenças romanas, a idéia de salvação da alma já estava difundida na população pela influência de algumas religiões orientais, como o culto a Íris e Osíris, do Egito. "Isso deve ter facilitado ainda mais a expansão do cristianismo em Roma", diz Funari.

O ápice dessa expansão se deu quando o imperador romano Constantino converteu-se ao cristianismo, no século 4. Ninguém sabe ao certo se ele foi motivado mais por dilemas espirituais do que razões políticas (afinal, ao se converter, ele pôde contar com o apoio dos cristãos e com a estrutura de um Igreja já bem organizada.)

O certo é que alguns séculos depois, a cruz, imagem brutal da sua crucificação, foi usada para invocar a guerra e a paz entre os povos. E Yeshua, o judeu pobre que morreu praticamente despercebido durante a Páscoa em Jerusalém, já era conhecido por boa parte do mundo como o Cristo. O mesmo Cristo cujo nascimento passou a ser celebrado todos os anos, no mês de dezembro, no dia de Natal.

Quando os manuscritos do mar Morto foram encontrados nas cavernas da região de Qumran, no sul de Israel, em 1947, os pesquisadores descobriram como viviam os essênios – grupo de judeus que moravam em comunidades isoladas, tinham hábitos simples, admitiam a reencarnação, adotavam normas morais rígidas e eram vegetarianos. A seita desapareceu por ocasião da diáspora judaica, a partir do ano 70. E como eles, assim como Jesus, também se opunham a outros grupos como os fariseus e os saduceus, a pergunta óbvia que se seguiu foi: Jesus era essênio? Apesar de não existirem provas definitivas de que Jesus professasse a seita essênia, haveria ainda outras coincidências entre a doutrina e as práticas cristãs e os ensinamentos e costumes daquele grupo. "Os essênios foram os primeiros discípulos de Jesus e o aceitaram como o grande e último intérprete da lei, muito acima de Moisés", diz Fernando Travi, um dos líderes da Igreja Essênia brasileira.

Segundo ele, o próprio Cristo teria sido educado entre eles no monte Carmelo, no norte de Israel. Esse grupo, então conhecido como nazarenos, teria se diferenciado dos eremitas da região de Qumran – em cujas cavernas foram encontrados os polêmicos manuscritos do mar Morto –, por sua postura menos radical em relação a uma série de preceitos dos essênios do sul. Nos manuscritos de qumran não há nenhuma menção a Jesus, mas o que impressiona, segundo o arqueólogo inglês Lankester Harding, é a coincidência de práticas e terminologia antes julgadas exclusivas do cristianismo. Os essênios praticavam o batismo no estilo de João Batista e se reuniam para uma ceia litúrgica, de pão e vinho, como a que foi promovida por Jesus na véspera de sua prisão. Suas comunidades eram dirigidas por 12 "homens de santidade", à semelhança dos 12 apóstolos cristãos, e todos os bens individuais eram compartilhados, como foi hábito no cristianismo primitivo.

A identidade se repete em ensinamentos como o da não-violência e no costume de curar doentes, uma das principais práticas cristãs. Chama também a atenção o fato de não existir, nos evangelhos, qualquer crítica aos essênios, ao contrário dos ataques de Jesus aos fariseus e saduceus. Para alguns estudiosos, nada disso prova o vínculo essênio do Cristo. "Não existe nenhum fato ou indício convincente", afirma o doutor em teologia e especialista em Novo Testamento, Archibald Mulford Woodruff, da Universidade Metodista de São Paulo. "Há apenas paralelos entre os manuscritos do mar Morto e o evangelho, o que não chega a configurar uma influência essênia sobre Jesus." O mais provável, segundo Woodruff, é que muitos essênios tenham aderido ao cristianismo depois que a Décima Legião romana arrasou a comunidade de Qumran.

Na livraria

O Jesus Histórico, John Dominic Crossan, Imago, 1994

Excavating Jesus, John Dominic Crossan & Jonathan L. Reed, Harper San Francisco, 2001

Jesus, Uma Biografia Revolucionária, John Dominic Crossan, Imago, 1995

Jesus As a Figure in History, Mark Allan Powell, Westminster John Knox Press, 1998

Um Judeu Marginal, John P. Meier, Imago,1993 (série em quatro volumes)

Bandidos, Profetas e Messias Movimentos Populares no Tempo de Jesus, Richar A. Horsley, John S. Hanson, Paulus, 1995

Jesus – Esse Grande Desconhecido, Juan Arias, Objetiva, 2001

Cristo – Uma Crise na Vida de Deus, Jack Miles, Companhia das Letras, 2002

Os Homens da Bíblia, André Chouraqui, Companhia das Letras, 1990

História da Vida Privada – Do Império Romano ao Ano Mil, Philippe Ariès e Georges Duby (org.), Companhia das Letras, 1992

Bíblia de Jerusalém, Paulus, 2002


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