Pavor delicioso no cinema
Acabo de assistir a um filme muito bom: “Deixe ela entrar.” As resenhas que a imprensa tem publicado são muito elogiosas. O filme merece.
Não quero estragar as surpresas a que todo espetactador tem direito — e elas são muitas. Quem leu os jornais sabe que se trata de um filme sobre vampiros, uma tradição que o cinema cultiva desde seus primórdios.
Não vou dizer mais porque determinadas descobertas tem sua hora e seu ritmo, e alimentam as emoções únicas que este filme provoca.
Muitas cenas provocam momentos de um pavor delicioso. Há imagens fortes, que permanecem na memória depois que o filme terminou.
O grande mérito de “Deixe ela entrar” é revigorar um mito antigo e tradicional trazendo-o para a sociedade de hoje, com famílias desarrumadas, agressões gratuitas, e uma postura quase indiferente ao sexo.
Temos um vampiro de pés e mãos sujas, que leva uma vida pobre, no limite da miséria, entre homens, mulheres e crianças que sobrevivem num ambiente de fartura que alcança quase todo mundo. Não há o glamour nem a nobreza do velho Conde Drácula. Num mundo de cidadãos loiros, de pele clara, o vampiro tem cabelos negros e espessos, pele morena.
Tomas Alfredson, o diretor, conduz uma narrativa delicada e sensível, que sabe ser crua e brutal quando necessário. Na velocidade de quem procura mostrar o que é importante, o filme não tem pressa. Descreve com cuidado o cotidiano dos personagens. Espera a história amadurecer e deixa cada situação atingir seu ponto máximo.
O resultado é um filme que não perde o ritmo e desembrulha o enredo com suspense até o final. Permite várias leituras de uma mesma cena. Inspira discussões psicanalíticas e interpretações variadas para cada personagem e seu destino. E é, acima de tudo, bom cinema.